Escrita Terapêutica: o que é, como funciona e quais os benefícios

A escrita terapêutica é uma técnica baseada no uso da palavra escrita para elaborar experiências traumáticas, trabalhar o autoconhecimento, e organizar e planejar o futuro de forma mais efetiva.

Essa ferramenta tem se tornado mais popular nos últimos anos no Brasil, e isso é uma ótima notícia.

Escrever com fins terapêuticos, descobriu-se há alguns anos, é altamente eficiente para:

• abordar traumas emocionais;
• elaborar pensamentos e emoções;
• organizar a vida atual;
• planejar e estrategizar o futuro.

Além disso, melhorias na saúde física e psíquica, melhores resultados na vida acadêmica e o sucesso na vida social, espiritual e profissional são benefícios esperados da prática.

Neste artigo, você vai entender o que é, como funciona a Escrita Terapêutica, quais são os seus benefícios, quem pode utilizar esse instrumento e dicas de como começar.

Boa leitura!

O que é a escrita terapêutica

No fim da década de 70 e início de 80, James Pennebaker, psicólogo social estadunidense, estava investigando experiências traumáticas de vários tipos: morte de cônjuges, desastres naturais, traumas sexuais, divórcio, abuso físico, o Holocausto, etc.

Àquela altura, já se entendia que o trauma causava, continuamente, altos níveis de estresse para o organismo.

Após uma perturbação emocional, as pessoas tinham muito mais chances de desenvolver:

• depressão
  
• ansiedade
  
• problemas de peso
  
• adoecimento físico
  
• morte por câncer e doenças cardiovasculares.

Um famoso estudo chamado “Adverse Childhood Experiences Study” incluiu mais de 12 mil participantes e estabeleceu que a vivência de experiências traumáticas na infância é um poderoso preditor do adoecimento grave na fase adulta.

Pennebaker observou os mesmos efeitos em suas pesquisas.

O pesquisador notou um fato interessante em meio aos seus estudos: experiências traumáticas tinham, sim, um efeito negativo. Mas esses efeitos eram ainda piores quando essas experiências eram mantidas em segredo!

Guardar segredo sobre seus traumas, portanto, aumenta ainda mais o risco para adoecimentos de maior e menor magnitude, em comparação com pessoas que compartilharam suas experiências difíceis com outrem.

Em um dos estudos, um grupo de estudantes de graduação e trabalhadores de uma grande corporação foram solicitados a preencher um questionário sobre experiências traumáticas.

Os participantes foram questionados se, no curso de sua infância, tinham sofrido:

• a morte de alguém próximo;
• divórcio dos pais;
• abusos sexuais;
• abusos físicos…

Ou outras experiências que impactaram profundamente suas personalidades.

Para cada item, perguntou-se se o trauma tinha sido compartilhado com alguém, ou mantido em segredo.

Encontrou-se:

1. Pessoas que tinham traumas vividos na infância iam ao médico duas vezes mais que as pessoas que não tinham trauma.

2. Pessoas que tinham traumas e os mantinham em segredo iam ao médico 40% mais vezes que pessoas que também viveram traumas, mas tinham compartilhado as experiências com alguém.

Muitos outros estudos confirmaram esses mesmos resultados.

A partir daí, Pennebaker começou a testar a hipótese: 

“… se guardar segredo sobre traumas é potencialmente adoecedor, será que solicitar às pessoas que falem — ou escrevam — sobre seus sofrimentos emocionais produz melhorias na saúde das pessoas?”

Maravilhosamente, a resposta a essa pergunta é inequivocamente: sim.

Escrever sobre experiências traumáticas (mas não somente sobre traumas!) gera diversos benefícios para a saúde física, psíquica e social para indivíduos.

Vamos entender alguns desses benefícios!

Quais são os benefícios da escrita terapêutica

Confira benefícios descobertos da prática pelas melhores pesquisas do campo.

1 Efeitos Biológicos

1.1 Sistema imunológico: nosso sistema imunológico pode funcionar de maneira mais ou menos efetiva. Diversos laboratórios apontaram que a escrita terapêutica se associa a uma melhoria geral na função imune.

A escrita expressiva tem um impacto positivo sobre a regulação emocional e, portanto, pode ter um papel fundamental no fortalecimento das funções imunológicas.

1.2 Marcadores médicos de saúde: para pessoas com doenças crônicas, a escrita expressiva também mostra benefícios. Pacientes com asma e artrite reumatoide mostraram melhoras na função pulmonar e mobilidade nas articulações.

Em pacientes com HIV/AIDS, encontrou-se melhora na contagem de células brancas (glóbulos?). Melhorias do mesmo tipo foram encontradas em pacientes com Síndrome do Intestino Irritável e câncer.

Em pacientes saudáveis, encontrou-se melhoras na pressão arterial em repouso e menos enzimas hepáticas em pessoas que consumiam álcool em excesso.

1.4 Indicadores fisiológicos de estresse: durante a escrita sobre traumas, as pessoas mostram sinais de diminuição do estresse, como menos tensão nos músculos faciais, diminuição na condutividade da pele (indicador de estresse). Imediatamente depois do exercício, a frequência cardíaca e a pressão arterial tendem a cair. Benefícios desse tipo tendem a durar por cerca de 4 meses.

2 Efeitos Psicológicos

2.1 Mudanças de humor imediatamente após escrever: logo após escrever, sentir-se triste e choroso é absolutamente normal. Esses efeitos passam logo (1 ou 2 horas).

Quando escrevemos sobre tópicos emocionais, de alguma forma estamos assistindo-os novamente. Como num filme dramático, ficamos tristes, choramos, mas no final nos sentimos mais sábios.

Portanto, se você já quer tentar aplicar o exercício, separe um tempo para refletir e descansar após a escrita.

2.2 Mudanças de humor a longo prazo: os efeitos de longo-prazo, por outro lado, são muito mais positivos. Em vários estudos, pessoas que engajam em exercícios de escrita terapêutica relatam sentir-se mais felizes, e com menos emoções negativas que antes do exercício.

Para pessoas com depressão, a tendência à ruminação, e à ansiedade generalizada, também diminuíram. Outros estudos demonstraram melhora no bem-estar em geral e melhora das funções cognitivas.

3 Mudanças comportamentais

3.1 Performance na escola ou trabalho: entre estudantes dos anos iniciais de graduação, a escrita terapêutica os ajuda na adaptação à nova situação.

Como consequência, pelo menos 3 estudos revelaram que os estudantes que se engajaram no exercício tiveram notas melhores no semestre subsequente à escrita. É possível que a escrita terapêutica aumente a capacidade da memória de trabalho.

3.2 Memória de trabalho:  “Memória de trabalho” é o termo técnico para conceituar nossa habilidade geral de pensar sobre tarefas complexas.

Se há muita preocupação, e memórias dolorosas do passado que retornam, nossa memória de trabalho fica comprometida.

A escrita terapêutica, agora sabemos, por liberar memória de trabalho, nos permite lidar com problemas mais complexos. Alguns pesquisadores acreditam que os benefícios da escrita terapêutica se devem àquilo que chamamos de habituação — decorrente do aumento da exposição (às memórias traumáticas, aos desafios, etc.).

Quando as pessoas escrevem sobre o evento traumático depois de um tempo, suas reações à experiência se tornam cada vez “menores”/minimizadas.

4 Vida Social 

Trabalhar/lidar com outras pessoas pode sobrecarregar e assustar.

Quanto mais estresse emocional, mais desgastante. Estudos recentes sugerem que a escrita terapêutica pode aumentar a qualidade de nossas vidas sociais.

Na tentativa de explorar esta faceta da escrita, pesquisadores chegaram a gravar as interações sociais dos sujeitos para avaliar suas experiências. Encontrou-se que aqueles que escreveram:

– falavam mais;

– riam mais;

– usavam palavras de conotação positiva com mais frequência.

No mais, encontraram significativa redução de estresse, diminuição de sintomas de ansiedade e depressão, diminuição de sentimentos como a raiva, e diminuição de sintomas de Transtorno de Estresse Pós Traumático.

Quem pode se beneficiar

Todas as pessoas podem se beneficiar da Escrita Terapêutica. É um instrumento universal, barato e acessível para todos os indivíduos.

Nos estudos científicos a respeito, entretanto, algumas pessoas mostraram se beneficiar ligeiramente mais que outras — e você já vai entender o porquê.

Quem costuma se beneficiar em grau ligeiramente maior da escrita terapêutica são aquelas pessoas que tendem a guardar mágoas, esconder os seus sentimentos. São os “durões”, os mais introvertidos e mais fechados.

E, por quê?

Raramente essas pessoas irão, de forma espontânea, contar sobre alguma dor, algum problema mais sério, ou buscar outras pessoas para conversar sobre suas questões existenciais.

Assim, quando são confrontados pelo papel em branco, e conseguem se abrir, encontram em si mesmos, pela primeira vez, um interlocutor atento. A expressão emocional, a elaboração dos pensamentos e o confronto com os problemas terá um impacto maior nessas pessoas.

Cuidados necessários para a escrita terapêutica

Exercícios de escrita terapêutica são altamente benéficos, e de muito fácil aplicação. Entretanto, alguns cuidados são necessários. Afinal, estamos falando da sua vida, da sua história, da sua experiência, seja ela positiva ou negativa.

Confira cuidados da escrita terapêutica para já saber de antemão:

• Não vá tão fundo logo de início: se você vai começar a exercitar a escrita terapêutica agora, não precisa começar a todo vapor.

Os primeiros estudos de Pennebaker consistiam em 15 minutos de escrita por dia, durante 4 dias. No total, uma hora de escrita dividida em 4 dias foi o suficiente para produzir diversos efeitos benéficos para a saúde dos indivíduos, como confirmam os estudos.

Portanto, comece gentilmente. Separe alguns exercícios e faça-os por 10 ou 15 minutos ao dia. A escrita terapêutica não precisa ser volumosa, difícil e gramaticalmente perfeita.

O fator mais importante é a sua honestidade e a sua sinceridade: você tem de querer olhar para a sua vida de frente, e reconhecer traumas, falhas e negligências suas; bem como assumir suas qualidades, suas virtudes e suas conquistas, para conseguir ainda mais sucesso no futuro!

• Foque no presente: um elemento comum à ansiedade e à depressão é a ruminação. Grosso modo, ansiosos ruminam sobre o futuro, e deprimidos ruminam sobre o passado.

A escrita terapêutica é altamente efetiva para aliviar dores emocionais trazidas do passado e para se preparar melhor para o futuro. Entretanto, se você tem uma tendência a ruminar, foque no presente.

Tente trazer a escrita para o dia de hoje, para esta semana e este mês. Você pode separar um tempo para descrever a sua rotina, fazer exercícios de gratidão, afirmações, e  planejar o futuro mais próximo, por exemplo.

• Não escreva sobre aquilo que você ainda não dá conta de confrontar: o exercício funciona se você estiver disposto a enfrentar seus fantasmas, mas você precisa estar preparado.

Algumas experiências são duras e traumáticas o suficiente para causar dores muito profundas.

Nem sempre estamos prontos para encarar esses fatos sozinhos. Se você sente que suas dores são demasiado profundas para serem tratadas num exercício de escrita terapêutica, não aborde esses problemas de primeira.

Você pode procurar a ajuda de um profissional para iniciar o seu processo: um psicólogo pode te ajudar a se organizar para isso, e a decidir se algumas experiências precisam realmente ser encaradas por meio da escrita.

Enquanto isso, use a escrita terapêutica para planejar o seu futuro, relembrar os seus desejos e aspirações, e para olhar para frente.

Conclusão

A escrita marcou o desenvolvimento da humanidade e nos permitiu realizar muito mais como espécie. Isso também vale para nossa vida individual.

Quando adquirimos o poder da linguagem, adquirimos a possibilidade de julgar, abstrair, testar e fazer escolhas mais inteligentes sobre a nossa vida.

Escrever é uma forma de nos forçar a organizar e estruturar nossos pensamentos e emoções — sejam eles a respeito do passado, do presente ou do futuro.

A escrita terapêutica pode ser muito útil para tratar de traumas passados, mas, cuidado! Talvez você precise de ajuda profissional para realizar esse exercício com todos os seus benefícios.

Para entender a sua situação presente e ajustar as suas velas para navegar o futuro, a escrita terapêutica é altamente eficiente e pode transformar completamente a sua vida.

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Referências

1. Pennebaker, James W. Expressive writing : words that heal / James W. Pennebaker, Ph.D., professor of psychology, The University of Texas at Austin, and John F. Evans, Ed.D., integrative health coach, Wellness & Writing Connections.
   
2. Pennebaker JW, Susman JR. Disclosure of traumas and psychosomatic processes. Soc Sci Med. 1988;26(3):327-32. doi: 10.1016/0277-9536(88)90397-8. PMID: 3279521.
   
3. Berry DS, Pennebaker JW. Nonverbal and verbal emotional expression and health. Psychother Psychosom. 1993;59(1):11-9. doi: 10.1159/000288640. PMID: 8441791.